Para ler ouvindo "All my friends", do LCD Soundsystem
A gente pode passar o dia trocando mensagens, até em múltiplas plataformas (quem nunca falou com a mesma pessoa um assunto no Zap e outro na dm do Instagram?), mas pode, também, se comunicar tão pouco.
Esses dias eu saí de uns grupos de Zap porque fiquei de bode desse atropelo. Pedi pra uma amiga fazer um favor para mim, num grupo que não tem dez pessoas, e ela simplesmente passou batido pela mensagem. É uma coisa besta, você deve estar pensando aí, e é mesmo. Mas sabe quando se trata só de um gatilho pra algo muito maior? Algo que eu poderia chamar de descuido ou desatenção, mas talvez seja só outra temporada da amizade mesmo.
A gente é amiga dos nossos amigos do mesmo jeito ao longo da vida? Se a gente é capaz de mudar tanto, é natural pensar que as amizades podem mudar também, não? Mas como a gente lida com isso? A gente abraça a mudança, ou acaba sofrendo porque as coisas já não são como eram? Mas aquele vínculo ali já foi tão importante, como só seguir em frente? Não vai nem puxar uma DR?
Mais uma vez, fiquei pensando na pandemia. Que a gente elaborou tão pouco, apesar de ter sofrido tanto… No começo chegávamos até a fazer festinha no Zoom para ficar perto dos amigos (quando eu olho os vídeos sinto uma tristeza, uma interrupção da vida, ao mesmo tempo em que penso que bom que a gente tentou continuar sendo a gente também…).
Depois, com a vida toda acontecendo online para todos nós que pudemos fazer isso, veio um cansaço brutal também. Eu não queria um happy hour virtual com um amigo, eu queria abraço – aliás, foi um desses amigos que me falou uma frase que inspirou um texto chamado "Saudade das pernas", que vejo como um momento de mudança na minha vida, quando passei a escrever muito mais na internet.
O mundo foi tentando voltar ao normal, a gente também. Mas como a gente se conecta depois que tudo mudou tanto?
Às vezes, nos encontros com amigos de muito tempo, eu sentia que estava tudo diferente. Eu não era mais quem eu fui. Eles também não, provavelmente. Mas a gente tinha o chão comum do nosso afeto. De tantas memórias que construímos juntos. Das cenas dos nossos filmes ali naquela boate cujo andar de cima dava para um trilho de trem.
Não sei se pra vocês também foi assim, mas eu me fechei muito depois da pandemia (e de mais um monte de coisa que aconteceu na minha vida). Quando comecei a sair do casulo, me vi perdida em diversos aspectos. Era como se eu precisasse de novos amigos que conseguissem me enxergar como eu sou agora, e não apenas me ver como quem eu já fui. Me afastei sem nem pensar sobre isso, apenas dizia sim para esses novos convites, enquanto que para os de sempre eu acabava deixando pra lá.
Ainda achei que dava pra gente continuar se atualizando pela internet, mantendo a amizade assim. Afinal, tenho uma grande amiga que mora em Berlim e com quem converso sobre tudo quase todo dia… A gente funciona por Zap, talvez pela distância de mais de 8.000km. Mas com aquela outra amiga que já foi minha vizinha em duas ocasiões diferentes, com quem eu dividia fatias generosas de bolo de brigadeiro, alguma coisa mudou. De novo, eu mudei, ela também mudou. E a gente deixou de ser uma escolha na vida uma da outra. Quantas vezes isso pode acontecer ao longo da vida? Quão triste é, mas também quão inevitável pode ser? Sinto falta dela, tenho saudade das conversas infinitas que tínhamos, mas amizade também requer ação, e a gente deixou de se chamar, se convidar, se querer perto.
E é doido pensar que tudo isso aconteceu e a gente nunca conversou sobre. Não tenho vontade de problematizar o que aconteceu, ou o que deixou de acontecer, porque, a essa altura da vida, vejo esse tipo de movimento como natural também.
Do mesmo jeito que uma amizade ficou mais distante, outras chegaram. As amigas que a maternidade me trouxe. As companhias das madrugadas, quando meu filho era bebê. As companheiras de ativismo, porque duas mães é uma coisa massa, mas num tem um dia em que a gente não precise se preocupar com questões que podem nos afetar. Com uma delas, brinco que se meus amigos de sempre soubessem o quanto a convido para fazer as coisas junto, ficariam com ciúme.
Algumas amigas vão. São essas que podem estar a 500 metros de você, numa viagem para o mesmo lugar, olha que coincidência, mas não conseguem chegar para uma visita. Mas outras amigas vem. São aquelas com quem você vive um verão de conversas infinitas, com a melhor trilha sonora ao vivo da vida – e os sonhos no papel, os filhos brincando e brigando juntos... É aquela que vai te mandar um livro de presente porque você quer conhecer mais sobre a culinária vegana. É com ela que quero estar num sábado, porque a gente vive tantas coisas parecidas que é confortável se sentir em casa de novo.
Tem aquelas que são o Bonde, o grupo de amigas que mais me ensina sobre atenção e gentileza. Para além de uma viagem dos sonhos pela Itália, a gente se tem mesmo é no dia a dia. Numa conversa em que uma fala e a outra escuta – e responde no seu tempo. Tem aquele que manda músicas novas e maravilhosas numa playlist e entende tanto o bode porque também sente o mesmo. E como é bom a gente poder ser vulnerável e até meio infantil com quem conhece diversas versões da gente, né? Tem aquela que abre a casa para gente comemorar o aniversário do filho. A que faz estandarte de Carnaval pro filho! Tem todas aquelas que ficam em sucessivas temporadas. Algumas por nostalgia, outras porque o que importa hoje ainda combina com o que importa pra ela também. São tantas, que sorte <3
Tem dias em que me sinto trocando de pele. E é engraçado perceber que, enquanto sentia o bode e uma tristeza também, pensei que passaria uns dias exatamente com o amigo que está fazendo uma transição. Esse amigo eu conheci adolescente, e talvez tenha lembrado tanto dele porque fui assistir "Dias perfeitos" no cinema, tão bonito, fiquei comovida daquele jeito que até agora o filme está em mim. Na trilha tem Lou Reed, que formou a gente como pessoas, desde a adolescência. A gente é do tipo amigos fita K7, conceito que aprendi com uma amiga de uma época em que a internet era discada: aqueles amigos que, não importa onde vocês pararam, quando colocam a fita de novo, a música só continua – ou a conversa, o afeto, o amor também. Vocês podem passar anos sem se ver, não precisam ficar se atualizando da vida pelo Zap, mas quando rola o encontro, de novo, a gente está em casa.
Talvez eu queira menos comunicação instantânea e mais fita K7, como no filme. Quero estar perto de quem quer estar junto. De quem presta atenção. De quem se importa. De quem olha com acolhimento e generosidade para quem eu sou agora.
Saio desse episódio mais convicta ainda de que excesso de contato não quer dizer comunicação. De quem está perto não quero descuido. E preciso olhar pra mim também. Tô sendo cuidadosa? Aliás, de quem quero ficar perto? Como a gente se nutre? Como a gente se encontra com mais frequência? (Sem essa coisa insuportável paulistana de todo mundo ter tanta coisa pra fazer que é comum, ao menos entre os meus, a gente mandar invite pra se encontrar, eu juro…). Quem a gente leva junto com a gente? Pra quem a gente se mostra sem filtro? Com quem a gente vai viver junto os próximos 20 anos? Quais memórias nós estamos construindo agora que vão nos comover quando olharmos para trás? Como vamos ativamente cuidar e ser cuidados por quem a gente escolheu chamar de amigo?
You spent the first five years trying to get with the plan
And the next five years trying to be with your friends again
Desde que me entendo por ser humano sociável eu sofro com isso rs... eu sempre valorizei (me apeguei?) àquelas poucas amigas de quem eu gostava e gostavam de mim, sempre foram poucas, MESMO. Uma, duas. E quando uma deixa de se importar tanto, deixa de chamar...bem, lá se foi metade. As "vindas" de novas amizades também eram e são raríssimas... então vira e mexe me encontro nessa solidão específica de amizades profundas e frequentes.
Acho que isso faz parte da vida e é mais natural do que imaginamos ou gostaríamos. Os ciclos se renovam, outros perdem o sentido. Fazer as pazes com isso permite que a gente siga em frente, pelo menos é assim que eu encaro essas transformações.
Um abraço, Dani.