Tudo o que vivemos antes foi imaginado.
Temos a impressão de que muito do que estamos vivendo é imutável, mas a impermanência é uma certeza na vida. Tudo pode mudar o tempo todo no mundo, inclusive para melhor.
Centenas de milhões de pessoas estão imaginando e criando vidas melhores. Não só para si mesmas – como parece ser a ambição da vez – mas para suas famílias, para pessoas com quem trabalham, em suas comunidades. Centenas de milhões de pessoas estão fazendo o trabalho que podem para que a vida melhore. E ela tem melhorado o tempo todo. E piorado também.
O que piora é estridente, chama tanto a nossa atenção porque sabemos que as dores são urgentes. Comemorar pode sempre ficar para depois quando alguém está sofrendo, quando tem uma tragédia acontecendo. E isso também diz muito sobre nós e sobre a compaixão que sentimos. Às vezes a dor é tanta que dá vontade de escolher a ignorância. Mas é importante saber o que está acontecendo no mundo.
Buscar a sabedoria é para quem tem coragem. Para quem já compreendeu que há liberdade no conhecimento. Por isso, estudamos, lemos compulsivamente. Há tanto para saber que vivemos vidrados dia e noite nisso: em conteúdo.
são sentimentos que andam juntos. O mesmo conhecimento que nos liberta nos esgota. Nos conecta, mas nos afasta. Nos educa, enquanto também nos confunde. Então é difícil demais saber dosar essa medida.
Só que os que compreenderam a fundo esse comportamento demasiadamente humano criaram ferramentas de vício coletivo. Interfaces que nos deixam vidrados, tais como jogos de azar. E nesses jogos o que damos em troca é o nosso tempo de vida.
Quando falamos dos viciados em bets nos referimos a “eles”, como se “nós” não fôssemos também completamente viciados em um outro jogo igual, só que diferente?
As bets são uma questão de saúde pública.
Assim como a saúde mental de quem está nas redes sociais.
Nós já compreendemos em alguma medida a escala do impacto dessas ferramentas. Agora é hora de exigirmos a regulação das redes sociais. Eles são poderosos, mas são poucos. Nós somos muitos. E precisamos nos organizar.
É curioso: a pergunta norteadora da Contente, a pergunta manifesto que criamos em 2017 em um post do nosso finado blog se tornou uma pergunta tão crucial. Talvez a maior questão dos nossos tempos.
O Café da Manhã, podcast da Folha de S.Paulo, usou essa pergunta como a questão central de um episódio recente. Se tivessem nos chamado, teríamos respondido que essa pergunta não vai dar pra gente entregar só pra quem está no meio acadêmico responder.
Antes de partir para a resposta, precisamos verdadeiramente nos apaixonar por essa pergunta. A gente vai ter que dormir e acordar com ela, abrir espaço para o sonho, para depois criar junto.
Se não vira aquele tipo de resposta que não nos toca, muito ampla e distante. Algo como “justa”, “plural”, “democrática”, “neutra”...
Precisamos abrir espaço para sentir como essa internet se parece, precisamos sonhar com uma internet que nos faça sentir bem, que nos ajude em vez de atrapalhar, cujo custo de seu uso não tivéssemos que pagar com o que temos de mais valioso na vida: nosso tempo.
Eu, como pessoa física, francamente não aguento não aguentar mais. Eu não quero tanto celular. Eu sinto falta da vida. Se tenho o luxo de me desconectar por alguns dias, parece que uma montanha de conteúdo e de demandas me persegue logo atrás. Isso não é jeito de viver. Nem na internet e nem na vida. Mas que tal começar pela internet?
Se ao ler esses convites você começa a ouvir uma fala interna que diz “ah, mas isso é algo muito difícil porque os bilionários estão no poder e é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo etc”, eu tenho um pedido para te fazer. Tente, com carinho, silenciar essa voz interna. Ela anda muito intrometida e histérica. Tudo que alguém ousa minimamente sonhar ela já vem toda ouriçada dizer “mas não vai dar porque X ou Y”. Imagina um paralelo de alguém assim na sua vida?
E outra coisa: muita coisa que já foi considerada totalmente impossível foi alcançada por meio da luta de muita gente. A gente não pode esquecer isso.
Então bora tentar abrir um pequeno espaço em nossas mentes e corações para pensar o que desejamos para nossas vidas, com todo nosso coração e imaginação?
E o coração aqui não é algo tipo coraçãozinho com a mão. É imprescindível que a imaginação ande junto com as qualidades do coração. O que acontece quando existe só a imaginação sem a bondade a gente já sabe. É a distopia do momento.
Abandonar o cinismo por alguns momentos não vai abalar quem somos. É um exercício de imaginação. Se te ajudar, pensa que é para o roteiro de um filme. O nosso.
A gente tem tanto receio de sonhar porque todos ao seu redor vão tentar te ridicularizar se você ousar fazer isso em voz alta.
Agora pare e pense um pouco sobre isso: existe um bullying coletivo destinado a ridicularizar quem ousa sonhar. Essa ridicularização é estratégica.
O que pode ser mais perigoso que um sonho coletivo? Um sonho justo para um número maior de pessoas. Um sonho que não tenha que atender à “estabilidade econômica”, como se as decisões daquele grupo de homens brancos fosse o nosso maior bem a ser protegido? Que história é essa?
Essa daqui:
Os tempos clamam por decisões que coloquem a natureza no centro
As pessoas no centro
O bem estar no centro
O descanso no centro
A saúde no centro
A paz no centro
Vejam do que estamos abrindo mão com a história de que só o dinheiro pode ser o centro.
Parece até que estamos falando do fim do capitalismo. Mas o que estamos falando é do fim da internet. Pelo menos como a estamos vendo hoje.
"O rei está morto, viva o rei!”
Vamos sonhar juntos?
O cansaço nos rouba o espaço do sonho: descansemos para voltar a sonhar. Sem coletividade não há resposta. Obrigada por essa escrita. :)
Que ótima reflexão!