#61 Cassino de bolso: o maior inimigo dos brasileiros está a um clique de distância
Da promessa de “dinheiro fácil” a crises de dívidas, saúde mental e varejo — por que as bets viraram a maior jogada contra quem menos pode perder?
É fácil olhar para isso tudo e achar caricato, aliás, a gente começa estranhando.
Uai, não era ilegal jogo de azar no Brasil?
De repente, passa a parecer normal. As propagandas crescem, os patrocínios se infiltram na TV, nos aeroportos, nos estádios. A revolta ao ver um influenciador fazendo publi de aposta vai se tornando paisagem. Agora, já vemos os mesmos anúncios nas vozes com mais alcance no país. É o locutor esportivo. É o apresentador de TV. É o jogador de futebol que você admira. Poxa, logo ele.
Se você não tem acompanhado de perto a escalada desse mercado após a regulamentação das apostas no Brasil, aqui vão alguns dados para vermos juntos o contexto e o tamanho do buraco:
Em dezembro de 2023, o governo sancionou a regulamentação das apostas esportivas como medida de arrecadação fiscal;
Desde então o Brasil tem 23 milhões de apostadores. O número equivale aos 15% da população com mais de 16 anos que declaram ter realizado ao menos uma aposta em 2024 (Fonte: Raio-X do Investidor Brasileiro, realizado pela Anbima);
Entre os jovens de 16 a 24 anos, o número salta para 30%;
O valor médio mensal das transferências aumenta conforme a idade: entre os mais jovens, gira em torno de R$ 100 por mês; entre os mais velhos, ultrapassa R$ 3.000;
Em agosto de 2024, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets;
Ao todo, estima-se que os brasileiros movimentem cerca de R$ 20 bilhões por mês nesse mercado;
Educadores e profissionais de saúde alertam para os efeitos da dependência, principalmente entre os mais pobres e jovens.
Fontes: Datafolha, Banco Central
O que está pegando hoje em Brasília?
Nesta terça‑feira, 13 de maio, a CPI das Bets — instalada no Senado em 12 de novembro de 2024 e prorrogada por mais 45 dias — abriu os trabalhos ouvindo a influenciadora Virgínia Fonseca como testemunha. Convocada pela relatora Soraya Thronicke, ela chegou amparada por um habeas corpus parcial, mas resolveu falar. Em poucas frases, defendeu seus contratos dizendo que “o jogador precisa estar ciente de que pode ganhar ou perder”, “é só entretenimento”, “com 58 milhões de seguidores, só soube de 1 caso de quem perdeu dinheiro” e que divulga apenas plataformas “regulamentadas” segundo o Conar. E ainda cravou: “Sempre tomei conta de tudo” — inclusive dos acordos milionários que a colocaram no centro da controvérsia.
E a arrecadação?
Em 2024, o governo federal arrecadou aproximadamente R$ 1,5 bilhão com as taxas pagas por empresas de apostas. Mas a que custo?
1,8 milhão de pessoas ficaram inadimplentes por comprometer a renda com apostas on-line;
O varejo brasileiro perdeu R$ 103 bilhões por causa das bets em 2024 (pesquisa feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC);
Um levantamento feito pelo Itaú mostrou que os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões em apostas esportivas entre junho de 2023 e junho deste ano, com impacto principalmente entre os mais pobres.
E a bola de neve segue crescendo: as pessoas estão devendo, os juros do cartão de crédito aumentam para todos, o consumo das famílias cai, o comércio sofre, as crises familiares aumentam, e o impacto na saúde mental, especialmente de jovens e adolescentes, se intensifica. Quando você soma todos esses efeitos, percebe: isso tem potencial para gerar uma crise econômica real.
Aqui na Contente temos falado consistentemente sobre os danos causados pelas bets. Do alvo fácil que os adolescentes são para as casas de apostas, passando por influenciadores que usam a fé para manipular e arrastar milhares de cristãos ao vício, até os insights mais recentes que mostram como as apostas estão roubando o dinheiro das pensões alimentícias das crianças.



Porque isso não é só sobre jogo. É sobre um projeto de exploração travestido de entretenimento. Nós, comunicadores, não podemos normalizar esse mercado como se fosse um negócio como outro qualquer. Mesmo que tenha um cheque bem gordo do outro lado.
“Eu divulgo, mas cada um faz o que quiser, joga quem quer”. Um raciocínio parecido com o do ex-ministro da economia: “Deixa cada um se f* do jeito que quiser".
É perverso esse discurso. Isso não é liberdade de escolha: é abandono e negligência. É um projeto que explora as minorias mais vulnerabilizadas. Está colapsando as famílias, os adolescentes, o varejo, a saúde pública do país. Nós vemos vocês. E não vamos normalizar esse absurdo.
Deveria ser o papel do Estado defender o cidadão - ainda mais o vulnerável. Mas, estamos vendo o contrário
Tema fundamental!