#6 Como se priorizar em 10 passos & veja tudo mudar!
Desculpe, caro leitor, mas o título é uma mentira. Peguei você!
Porém, bem-vindo ao mundo da internet, onde o clickbait impera e diquinhas de sucesso/bem-estar/amor próprio, supostamente, funcionam como uma receita de bolo e você se tornará sua melhor versão fácil, fácil!
Acho que você conhece bem o que vou descrever: vira e mexe, você tá ali, zapeando nas redes sociais e eis que surge, aquele vídeo… sim, aquele vídeo sobre “bem-estar”, em que a pessoa tá malhando, lendo um livro, estudando, fazendo compras no mercado, depois com a cabeça encostada na janela do transporte público (que parece um trem na Inglaterra ou na Suíça) e segurando seu copinho de matcha. O texto que aparece na tela é simples, objetivo, efetivo, engatilhador: se priorize e TUDO VAI MUDAR!
(Inserir aqui um grito histérico e nervoso kkkk)
Nada contra esse tipo de vídeo, de primeira olhada, até eu fico assim :’) mas os olhos bem treinados, em uma segunda e terceira olhadas, me fazem questionar algumas coisas:
O que é esse “tudo” que vai mudar?
Por que a pessoa tá sempre sozinha?
Por que parece que a vida só tem sentido se a gente tiver que investir em algo?
Caro leitor, caso você não me conheça, não leu minha primeira newsletter, deixa eu me apresentar aqui rapidex: oi, eu sou o Leo Barata, tenho 31 anos e, no ano de 2023, eu:
Malhei 5 vezes na semana por quase todas as semanas de fevereiro até 29 de novembro (que é quando você pode estar lendo este texto);
Me propus, no fim de 2022, que leria pelo menos 10 livros esse ano (porque se eu li 1 no ano passado, foi muito kkk), não apenas bati a meta de 10, como superei;
Comecei a fazer cursos tanto da minha área quanto de idiomas.
Aqui você deve se perguntar: “ok, mas o que isso tem a ver com o vídeo?”. Eu te explico: eu fiz tudo o que falam que era pra fazer no vídeo, com constância, e eu não senti TUDO MUDAR. E o que é “tudo mudar”, gente? Alguém pra me explicar o que muda? Existem sim mudanças, mas eu ainda vou chegar lá (tenha só um pouco de paciência e não me ache hipócrita kkkk).
No entanto, pra mim, esse conteúdo de aspiracional passa a ser ansiogênico. E não se iluda, caro leitor, se os três pontos acima estão mencionados, foi porque eu caí nesse conto do vigário. Eu queria essa mudança de 180º em minha vida.
Será que a vida é assim, tão preto no branco? Tão simples? Será que apenas fazer aquilo vai nos ajudar?
Como eu havia mencionado, sim, existem benefícios. Ter maior disposição, mais condicionamento, acordar sem dores, é tudo apenas 10/10! Vai lá, se exercite, é muito bom mesmo. Mas se der…
Ler e estudar mais me abriram novas possibilidades de entender o mundo, de ter diferentes visões, viajar no universo dos personagens, me resguardar quando o meu próprio mundo não estava tão bem assim.Vai lá, leia e estude, isso é muito bom mesmo. Mas se der…
Só que, vem aqui comigo, não precisa muito para entender que eu tenho uma disponibilidade de tempo que a maioria das pessoas não tem!
Quem é que, de fato, disponibiliza de todo esse tempo?
Este é um dos grandes privilégios que acabei tendo: ter tempo para fazer tudo isso! Mas se a gente pegar o cidadão médio brasileiro, ele não consegue reproduzir nem ter o mesmo estilo de vida que eu estou tendo, que é exatamente o que o vídeo propõe que tenhamos.
Então, como você já viu, esse é meu primeiro grande entrave com esse tipo de conteúdo. Assim como um divo, meio hater, veio uma vez nos comentário da Contente, farei o mesmo questionamento que ele: com quem, de fato, esse conteúdo conversa?
Sim, sim, eu mesmo dei a resposta de que a internet é uma bolha, não estou atingindo ali uma classe mais pobre da sociedade. Só que, veja, esse é um tipo de conteúdo que viraliza fácil, nós publicitários e marketeiros, produtores de conteúdo, temos a receita:
30 segundos de uma música emotiva;
2 linhas de copy aspiracional;
1 compilador de vídeos que mostrem primeiro as dificuldades e depois os sorrisos de felicidade e conquista.
Isso aqui é a felicidade sendo embalada e comercializada em forma de vídeo.
Mas isso é em prol do indivíduo ou de uma coisa maior? Te dou uma dica do que é a coisa maior: começa com CA e termina com um sufixo, que normalmente é relacionado a doenças, -ismo. Sacasse?
No livro Happycracia, de Edgar Cabanas e Eva Illouz, tem uma frase que exprime exatamente esse sentimento de produção em massa: “[...] a felicidade pode ser fabricada, ensinada e aprendida”. Não coincidentemente, um dos slogans mais famosos de uma marca aí fala: “Abra a felicidade”. Parece que a felicidade é um produto que pode ser comprado facilmente em uma gôndola de supermercado.
Mas, ali em cima, eu citei três pontos, vamos ao segundo:
Por que a pessoa tá sempre sozinha?
“Hoje ela [a felicidade] costuma ser vista como uma atitude passível de ser engendrada pela força de vontade; resultado do treino de nossa força interior e nosso eu autêntico; única meta que faz a vida valer a pena;” (Happycracia, de Edgar Cabanas e Eva Illouz)
Aqui, os autores foram em cheio no ponto que quero chegar: parece que apenas nós e nossa vontade podem superar todos os obstáculos da vida, sozinhos, sem ninguém! Além de nós termos que carregar uma responsabilidade imensa de nos tornarmos quem somos, ainda temos que ser uma pessoa muito feliz e realizada e fazer tudo isso sozinha!
Muito bonito o teu discurso, neoliberalismo, pena que eu te conheço!
Impressionante como esse discurso de “ser suficiente sozinh@” tem se tornado cada vez mais forte. E quem tá ali, pra reverberar ainda mais esse mote? Sim, ela, a nossa diva onipresente e onisciente, a internet! (Inserir aqui os primeiros seis segundos da quinta sinfonia de Beethoven; objetivo: causar suspense, comoção, choque!) kkkkkk.
Brincadeiras à parte, vou usar mais umas vez as palavras de quem sabe um pouco mais sobre a vida e sobre as coisas. Jonathan Crary, em Terra arrasada (livro que já foi tema para o Clube do Livro da Comunidade Contente):
“[...] o complexo internético é o motor implacável do vício, da solidão, das falsas esperanças, da crueldade, da psicose, do endividamento, da vida desperdiçada, da corrosão da memória e da desintegração social.”
Ok, eu sei, o divo é implacável! Mas não dá pra dizer que ele não tem razão.
A internet que antes era o lugar lindo e maravilhoso que nos juntaria, com o passar do tempo só nos afastou e nos deixou mais individualistas e solitários.
Neste parágrafo e no próximo, vou fugir ao tema, rapidinho, mas nem é fugir tanto: Vamos pensar em experiências coletivas, como shows. Atualmente, são apreciados por meio das telas dos celulares, e as trocas se resumem a isso. (Sim, podem me chamar de hipócrita mais uma vez, visto que eu vi o maior evento da terra acontecer porque alguém se dispôs a fazer uma live: a Renaissance World Tour! kkkkkkkk)
A meu ver, parece que atividades coletivas, estar junto das pessoas, passaram a ser cringe, feias, vergonhosas, eca eca eca… Viver, parece que virou acompanhar live streams de alguém narrando um evento. E tem muita gente ganhando muito dinheiro com isso, viu? Então essa é a coletividade que a internet nos proporciona?
O nosso autor divo implacável fala sobre isso também, quando ele diz:
“[...] o isolamento associado às mídias digitais é uma continuidade da fragmentação social produzida por forças institucionais e econômicas ao longo do século XX. [...] desempoderamento e desmantelamento da comunidade não só continuam como se intensificaram.” (Terra arrasada, Jonathan Crary)
Agora, tendo dito tudo isso, vamos voltar ao tema: como pode essa cultura de bem-estar estar resumida em você fazer tudo sozinho? Que bem-estar é esse? Como eu disse, mesmo fazendo todos os passos da receita de bolo, o “tudo muda” não mudou.
E, agora, chegamos ao último tópico:
Por que parece que a vida só tem sentido se a gente investir em algo?
Aqui, eu não vou mentir para você, quando eu fiz a lista das coisas que eu queria para 2023, talvez, consciente ou inconscientemente, eu estivesse buscando ser uma “melhor versão” de mim mesmo, já que 2022 parecia um ano tão ruim e eu precisava superá-lo e me superar a qualquer custo.
E por mais que eu saiba que é um discurso muito coach neoliberal pasteurizado, ainda assim, eu fui lá e segui sem pensar duas vezes. Isso se entranhou na minha cabeça de tal forma que, mesmo que agora eu esteja falando mal (kkkk), eu segui o que era pra ser feito de olhos fechados, e só me dei conta desse fato há algumas semanas, quando comecei a pensar neste texto – e quando eu vi o bendito do vídeo!
E para você entender o quanto “o buraco é mais embaixo”, em alguns momentos desse ano, quando ou eu não consegui ir à academia, ou não li, ou coisa do tipo, eu acabava me culpando por isso. (Tu acreditas, menina? Eu, hein, passada, chocada, se liga, hein, Leonardo, tá doida, viado?) Acho que, na minha cabeça, parecia que eu estava me afastando de ser aquela “melhor versão”, que eu estava retrocedendo.
E aí teve um dia que eu precisei só jogar tudo para o alto e f*#%#-se! Eu preciso ser eu, viver a vida que eu tenho e não me cobrar porque não cumpri com um acordo que eu mesmo estabeleci. A vida e nós mesmos somos muito mais que isso. Nós podemos ser nossas melhores versões sem nem precisar fazer tudo isso. A gente pode sentir tudo mudar e não fazer nada dessas coisas também.
Cada pessoa tem uma vivência diferente, um recorte e contexto diferentes, e por que, mesmo que saibamos de tudo isso, parece que a gente sempre quer dar sentido para vida se colocando em lugares, situações e contextos em que a nossa vida talvez não caiba?
A vida vai ter o sentido que nós damos a ela. E, para encerrar este bloco, eu percebi isso quando estava sentado na garagem da minha casa, que dá para uma área descoberta, em que eu posso ver o céu e os pássaros. Minha gatinha, Cristina, estava no meu colo, enquanto eu coçava a cabeça dela e ela fazia “pãozinho” na minha perna. Ali, naquele momento, que para você pode ser algo muito besta, eu vi o quanto a vida fazia sentido, por esse simples ato.
Você é suficiente e 10/10 fazendo exatamente o que você faz, não deixe te confundirem sobre isso!
Nem tudo vai precisar mudar, ou vai, mas a vida que vai nos dizer isso, e apenas vivendo e apreciando e compartilhando as coisas com as pessoas que amamos é que vamos saber dizer isso.
Eu sinto que tudo muda pra mim quando eu posso conversar com as pessoas, ouvir diferentes experiências e vivências, rir junto, sair junto, assistir e comentar algo junto.
Meus melhores momentos da vida são quando eu estou conversando com meus amigos, família e apertando minha gatinha.
No trabalho, as coisas são muito mais legais porque posso conversar com as pessoas da Comunidade Contente, ou com Dani, Luiza, Ylanna, Paula e Gabs.
A academia que eu faço com constância 5 vezes por semana é legal porque eu tenho um grupo de amigos lá que torna a experiência muito melhor.
Os cursos que eu faço são bons porque eu posso sentar com várias pessoas em um lugar e falar sobre aquele assunto específico e ter trocas construtivas.
Bem-estar, felicidade e afins são sobre trocas com pessoas e como isso vai te construindo e construindo a sua personalidade. O Rubel está mais do que certo quando canta em “Partilhar”: “Eu quero partilhar, A vida boa com você… E a vida é boa, mas é muito melhor com você”.
Lembre-se: nem todo dia a gente vai estar 100% também, nem todo dia a gente precisa ser a nossa melhor versão. Basta a gente ir vivendo e apreciando as coisas boas da vida.
Este texto é um agradecimento a: Ylanna Ferrante, Clara de Beauvoir e Helizza Hilst.
O que eu tô lendo, assistindo, stalkeando:
_ Ouvindo: “The Twilight Saga: New Moon (original Motion Picture). Desculpa, mais uma vez, mas a trilha sonora desse filme é sensa! Se você gosta de umas musiquinhas meio indie-hipster sorumbático, óah, aqui é certeiro! Ouçam e me digam.
_ Lendo: “Happycracia: Fabricando cidadãos felizes”, de Edgar Cabanas e Eva Illouz. Um dos livros que usei como referência desta news. Muito bom, os autores abordam como a felicidade virou uma commodity fabricada e mercantilizada nos tempos atuais.
Perfeitas suas colocações! 👏🏻👏🏻