#50 Distraídos perderemos
Em 2019, Steve Bannon (ex-estrategista-chefe da Casa Branca e conselheiro sênior de Trump) compartilhou no programa “Frontline”, da PBS, a seguinte fala:
“O partido da oposição é a mídia. E a mídia só pode, porque são burros e preguiçosos, focar em uma coisa de cada vez. (…) Tudo o que temos que fazer é inundar a área. Todo dia batemos neles com três coisas. Eles vão morder uma, e vamos conseguir fazer tudo o que precisamos. Bang, bang, bang. Esses caras nunca, nunca vão conseguir se recuperar.”
“Nunca vão conseguir se recuperar.”
Seis anos depois parece estar caindo a ficha de que nós estávamos e estamos, esse tempo todo, caindo perfeitamente em sua estratégia, que nunca foi um segredo.
Distraídos perderemos
Que tristeza, mesmo que em uma newsletter, alterar uma poesia de Leminski que sempre amei. Antes da nossa distração virar uma mercadoria, era bom se distrair. Hoje ela é o instrumento principal da nossa desorganização.
Bernie Sanders, em uma recente entrevista ao The Guardian, afirmou:
“Trump quer que apenas respondamos a todas as afirmações absurdas que ele faz, mas essa é uma armadilha na qual não devemos cair. Nos próximos meses e anos, nossa tarefa não é apenas responder a cada declaração absurda de Trump. Isso é o que a comitiva de Trump quer que façamos. Eles querem definir os parâmetros do debate e que vivamos dentro de sua estrutura. É uma armadilha na qual não devemos cair. Nosso trabalho é manter o foco nas questões mais importantes que as famílias trabalhadoras dos Estados Unidos enfrentam, oferecer soluções para essas questões e exigir que Trump dê respostas.”
Países diferentes, a mesma estratégia
Nos bombardear com absurdos, todos os dias, todo o tempo. Não ter nenhum compromisso com a lógica, com a verdade, com a palavra. Essa é a estrutura de comunicação do fascismo. Nas palavras de Timothy Snyder, professor de história na Universidade Yale, em um ensaio para a Piauí:
“Um fascista não se importa com a conexão entre palavra e significado. Ele não está a serviço da linguagem: é a linguagem que está a serviço dele. (...)Diante da complexidade da história, os progressistas se debatem mediante o volume esmagador de perguntas a fazer e de respostas a oferecer. (...) O fascismo, no entanto, reduz todo esse imbróglio de sensações a um só ponto: aquilo que o Líder diz.
Um progressista precisa contar uma centena de histórias, ou mil histórias. Um fascista, por sua vez, precisa apenas ser um contador de histórias. Como as palavras não se prendem aos significados, as histórias não precisam ser coerentes. Não precisam estar de acordo com a realidade externa. Um contador de histórias fascista precisa apenas encontrar o pulso latejante do público e segurá-lo. Pode-se fazer isso por meio de ensaios, como ocorreu com Adolf Hitler, ou por tentativa e erro, como o caso de Trump.”
Move fast and break things
“Mova-se rápido e quebre as coisas”
Esta frase, de autoria do Mark Zuckerberg, foi o lema interno usado pelo Facebook até 2014. Virou o título de um livro também: “Mova-se rápido e quebre as coisas: como o Facebook, o Google e a Amazon encurralaram a cultura e minaram a democracia”.
E essa cultura foi tão bem incorporada que não é só o que eles que a absorveram. Nós também. Algo quebrou? Não há tempo para pensar nisso, para entender o porquê, para consertar. O importante é seguir em frente, com velocidade. Se importa com uma causa? Não há tempo para lutar por ela, pois outra chamará sua atenção no dia seguinte. E mais outra e mais outra.
Soterrados pela complexidade
Não dá para continuar dessa forma, soterrados pela complexidade do mundo, vivendo com pressa e sem envolvimento, tentando dar conta da complexidade enquanto os fascistas avançam sem nenhum compromisso, a não ser com a destruição.
Em defesa do nosso foco
Já é sabido que a janela de atenção de um humano é hoje menor do que a de um peixe dourado. Um peixe dourado não consegue manter o foco para acompanhar um processo importante do início ao fim. Sua atenção é como a bolinha de um fliperama, desde o momento que acorda até quando vai dormir.
A todo o tempo, vide a estratégia facista de comunicação, chegam notícias que geram indignação. Se alguma toca a pessoa mais profundamente, ela pode compartilhar em suas redes sociais, colocar sua assinatura em algum abaixo assinado, fazer alguma pressão via email e… Não muito mais do que isso. Acompanhar a sequência dos fatos é complicado, pois, se você está sempre consumido pela próxima indignação, não consegue olhar atentamente para a última.
Como sair dessa lógica?
Infelizmente não temos as respostas para o maior desafio dos nossos tempos. Mas, sim, algumas novas perguntas que nós, como time e pessoalmente como ativistas, temos nos feito:
Do que você cuidaria sabendo que não precisa dar conta de todas as causas do mundo?
O que você seria capaz de fazer com menos pressa e mais foco?
Com o que você se envolveria mais de perto?
Com o que você se importa?
Vamos pensar juntos?
Com carinho,
Nossa, esse texto abriu minha cabeça de um jeito muito incrível. Eu vou pensar sobre quais devem ser os meus focos de luta (mais de um talvez já indique algo errado). Não dá pra abraçar tudo. Mesmo. Obrigada por isso! Essa é a internet que a gente quer ;)
Estava pensando sobre essas questões nos ultimos tempos, sobre o capitalismo que está dando mais certo do que nunca. Agora com o advento da Internet a realidade material e virtual se mesclam e criam algo na psique do ser humano que é relativamente novo, desviando a atenção do que realmente importa para os cidadãos, criando lutas imaginárias e tirando o foco do que realmente é importante focar. Tem hora que vejo a discussão da esquerda com a extrema direita e fico pensando se não é perca de tempo. E comecei a perceber que é necessário essa briga por pautas pouco importantes também, porque se não os fascista vão deitar e rolar na mente das pessoas sem ter um contra argumento, e cheguei a conclusão que temos que no mínimo atrapalhar o avanço das ideologias fascistas na nossa sociedade.