#48 O jeito Musk e Zuckerberg de fazer redes sociais vai falir nossos negócios?
Sobre democracia e o seu bolso
Redatores, psicólogos, nutricionistas, advogados, revisores, cientistas, vendedores de sapato, dermatos, consultores de estilo, publicitários, psiquiatras e psicanalistas, gente de finanças, professores de inglês e de ioga, engenheiros e maquiadoras...
Toda essa gama de profissionais – e mais um montão que encheria essa newsletter – usam as redes sociais para divulgar seus respectivos ofícios. Eles não necessariamente têm uma loja, um consultório ou um escritório físico, mas, criando uma conta gratuita em uma rede social, conseguem falar do que fazem, expor produtos e, quem sabe, com alguma sorte, conseguir mais clientes. Trabalho lícito e digno que chama, né? Tão raro em uma internet de lucradores da desgraça alheia.
Agora imagine uma maquiadora, por exemplo, ou um nutri que cria conteúdo sobre alimentação saudável, tendo que dividir audiência e espaço nas redes sociais com deep fake, desinformação, conteúdos de ódio e tudo mais que ao bater o olho chama mais atenção do que qualquer trabalho bem feito? A gente sabe, isso já acontece. Mas o jeito Musk de administrar redes sociais, que é para onde o Instagram está caminhando, faz com que esse tipo de conteúdo nocivo seja até 70% mais entregue do que o outro. Parece minimamente justo?
A cada decisão autocrática do X, do Instagram (ponto dessa newsletter), do Google ou do TikTok, por exemplo, o meu e o seu sonho latinoamericano de prosperar com trabalho duro na melhor época possível para se fazer dinheiro com a internet, fica ainda mais distante.
Neste momento, você pode ter alguns tipos de pensamento: “besteira, já se trabalhava antes das redes sociais e vamos continuar trabalhando sem elas” ou “os donos das redes sociais têm poder de decisão sobre elas, nós que vivemos em uma ditadura do Supremo” (tá bom, eu forcei a barra, duvido que alguém com este tipo de pensamento esteja lendo essa newsletter, mas se por acaso estiver: oi! Lê tudo antes de discordar?). Ou, ainda melhor intencionado, você também pode pensar “concordo com tudo, mas o que isso tem a ver com negócios? A maior ameaça não está na democracia?” (beleza. Eu gosto mais de você, vamos esclarecer).
“Besteira, já se trabalhava antes das redes sociais e vamos continuar trabalhando sem elas”
Ok, pode até ser verdade que as pessoas sempre encontraram formas de ganhar dinheiro, com ou sem redes sociais. Mas você já parou para pensar como o mundo do trabalho mudou nos últimos 20 anos? É impossível comparar os empregos tradicionais com o que temos hoje. Setores como comércio, serviços e indústria têm um limite claro na geração de postos de trabalho. Mesmo em cenários de pleno emprego – não estamos neste patamar, mas é o maior índice de empregabilidade desde 2013 –, os salários que não acompanham a inflação e as condições precárias fazem com que muita gente precise buscar alternativas por conta própria.
É nesse cenário que as redes sociais surgem como uma solução acessível e prática. Elas não cobram aluguel, não exigem reformas e são uma vitrine grande que cabe no bolso de quem tem internet no celular e alguma habilidade. Além disso, profissões inteiras só existem porque essas plataformas existem.
O problema é que o que chamo aqui de “jeito Elon Musk” de administrar redes sociais — decisões rápidas, mudanças radicais de políticas, falta de transparência e foco exclusivo no lucro de curto prazo — coloca tudo isso em risco. Não estamos dizendo que elas vão acabar, o X tá aí na ativa para provar que não, mas por razões muito parecidas com as dos comércios que não sobrevivem no centro de São Paulo por falta de segurança e infraestrutura, as redes sociais podem se tornar insustentáveis para pequenos negócios e autônomos. Um ambiente sem lei, sem previsibilidade e com regras que mudam de uma hora para outra é simplesmente feito pra te falir.
“Os donos das redes sociais têm poder de decisão sobre elas, nós que vivemos em uma ditadura do Supremo”
Uma rede social sem nenhuma regra, faz com que, aos poucos, nenhum anunciante sério escolha anunciar. Afinal, disputar atenção com extremistas é caro e pega mal. No orgânico, fazer o seu trabalho disputar com o absurdo também irá funcionar cada vez menos — já que a própria rede social trabalhará em prol do que mais engaja. Se essa rede social também é onde a maior parte da sua audiência está, faz com que, com o tempo, ela reconsidere ficar lá. O X, por exemplo, nas palavras do próprio dono, é uma rede de “prejuízo” — ninguém compra e ninguém vende onde não se sabe se o próximo post é uma apologia a algum crime.
Vamos esclarecer uma coisa: redes sociais não são empresas privadas comuns, não é tão simples. Sua marca de creme dental – que é de uma empresa privada – provavelmente não influencia eleições, não rouba seus dados e nem escolhe a que horas e como você vai realizar a sua escovação. Eis aqui a diferença). Elas têm um impacto tão grande na vida pública que, em muitos aspectos, funcionam como uma extensão da praça pública – só que controlada por meia dúzia de bilionários.
Quer um exemplo? O Twitter, ou melhor, o X, pós-Musk. Desde que ele relaxou as regras de moderação, o ambiente se tornou um terreno fértil para discursos de ódio, comunidades neonazistas e conteúdos de gore e automutilação. Isso não só afasta anunciantes – que caíram de 75% –, mas também torna a plataforma um lugar tóxico para qualquer pessoa ou negócio que dependa dela.
E, por mais que você ache que as redes podem fazer o que quiserem, porque são “empresas privadas”, as coisas não funcionam bem assim. Em países como a Alemanha, por exemplo, conteúdos de ódio ou fake news estão sujeitos a multas pesadas, mesmo que a rede social seja de fora. Essa é a ideia de soberania: garantir que regras locais sejam respeitadas, mesmo em espaços digitais. O Brasil, por outro lado, ainda não encontrou um equilíbrio nesse debate, deixando todos à mercê das vontades do dono do dia.
“Concordo com tudo, mas o que isso tem a ver com negócios? A maior ameaça não está na democracia?”
Amigos progressistas, é aqui que mora o perigo de separar essas duas coisas, como se democracia e economia fossem assuntos paralelos — uma vez que, vocês sabem, o poder econômico está no centro dessa conversa. Por que isso importa? Porque quando a riqueza e o controle da informação ficam concentrados em poucas mãos – como acontece com as redes sociais –, a desigualdade só cresce.
Para quem trabalha na internet, isso significa perder espaço. Pense no Instagram, onde o alcance orgânico despencou nos últimos anos, forçando pequenos criadores e empreendedores a pagarem por visibilidade. O mesmo vale para um Twitter sem anunciantes ou uma plataforma que vira zona de desinformação. Nesse cenário, quem tem mais dinheiro para investir em anúncios ou criar estratégias robustas de marketing sempre sai na frente.
E quando a economia de um país fica nas mãos de grandes conglomerados, isso afeta a democracia diretamente. É muito mais fácil controlar e manipular uma sociedade que depende de poucas fontes para trabalhar e consumir. Então, sim, a maior ameaça talvez pareça estar na democracia, mas se você olhar bem, verá que o buraco é mais embaixo – e passa, inevitavelmente, pela forma como ganhamos dinheiro.
Para não dizer que não falei das alternativa$
Lindo o textão, mas e a solução? Então, são paliativas, mas vale muito tentar colocar em prática. Não estou dizendo que a radicalização do Instagram, rede social mais usada mundialmente para divulgação de trabalho, vai ser do dia pra noite. Mas estudiosos de mídia e política apontam que, no ritmo que está, esse é o futuro próximo das redes sociais em 10/15 anos. Eu não sei vocês, mas eu estarei bem longe de me aposentar ainda, estão aqui vai:
1) Apoiar iniciativas
Sabe quando você odeia quando alguém faz publi (mesmo aquele criador bacana, que sinaliza, que se junta com empresas sérias), mas adora o conteúdo que ele produz? Então, consumir as iniciativas próprias/produtos autorais desses criadores ajuda muito a dinâmica de pagar contas sem precisar se associar a marcas;
2) Acompanhe os profissionais que você gosta em mídias alternativas
Faça o email legal novamente: se inscreva em newsletters, salve o contato desses profissionais no celular ou no WhatsApp, e, quando possível, consuma diretamente da loja ou do serviço, sem intermediários. É uma forma de apoiar o trabalho deles sem depender de plataformas instáveis;
2) Dar unfollow em quem endossa esse sistema
Repensar a quem você dá atenção nas redes também é uma forma de resistência. Se um influenciador ou marca promove ativamente essa dinâmica tóxica, repense o seu apoio. Siga pessoas e negócios que promovem valores alinhados com o que você acredita;
3) Construir relações no offline, na vida real
Ainda que o termo “networking” pareça cringe, o conceito em si – de criar laços reais com as pessoas – é essencial. Procure oportunidades para se conectar no mundo físico: feiras, eventos, cursos e até mesmo grupos comunitários podem ser mais úteis e estáveis do que apenas contar com os algoritmos;
4) Ter paciência para explicar o que está acontecendo
Nem todo mundo entende o impacto dessas mudanças nas redes sociais. Usar a sua voz para compartilhar e discutir, de forma acessível, o que está acontecendo pode ser um trabalho de formiguinha, mas é muito importante;
5) Pressionar por regulações no Brasil
Não quer que o Insta caia de uma hora pra outra? Nem eu, meu trabalho depende dele. Sabe em quais países isso não acontece? Naqueles cujas redes sociais já são regulamentadas e aceitam colaborar com a soberania dos países em que querem atuar. Cobrar políticas que regulamentem o funcionamento das redes sociais é essencial para evitar abusos de poder por parte das plataformas e garantir que elas sigam regras claras.
Até a próxima,
Mas e pra empreendedores, quais são as soluções?
muito legal!