Quem disse que eu sou produtiva só porque não tenho redes sociais? kkk
Dia desses, interromperam a minha paz no WhatsApp e cometeram contra mim a seguinte mensagem: “eu queria morar meia hora no seu celular pra descobrir o que tu fica fazendo. Você com certeza vive melhor que eu”. E aí você, caro leitor, deve estar se perguntando: que tipo esquisito de webfetiche é esse? Joe do “You”, é você?
Mas antes de abrir o Google para saber se você está perdendo alguma trend de flerte, aqui vai um breve contexto: eu não tenho redes sociais (e eu pretendo contar as razões disso, como me afeta e como eu parei na Contente em outra oportunidade, mas concentra no tópico da vez). Admito: eu tenho um perfil no TikTok cujo perfil é tipo “usuário28214034” para fins de pesquisa (alguns céticos chamam de procrastinação). E, recentemente, me livrei de uma conta no Twitter tão obtusa quanto.
O que eu quero dizer mesmo é que não tenho perfil pessoal, nem profissional, nem de criação, nem daqueles só para guardar o @. O fato é que quando eu falo “ah, não tenho Instagram”, “parei com o Twitter” e até “pois é, num faço nada no TikTok”, eu sou transportada para um lugar especial do imaginário do interlocutor: o mundinho perfeito dos low profiles.
O mundinho perfeito dos low profilers
Nesse lugar, todas as pessoas que postam pouco ou postam nada parecem viver noutro tempo (com mais tempo, pra ser exata), com certeza transcenderam e devem certamente ter alcançado o nirvana. É um grupo seleto que tomou seu próprio ayahuasca via bluetooth e encontrou a luz.
Afinal, quem mais faz parte desse bonde? Jout Jout, Byung-Chul Han, Jaron Lanier, Bell Hooks, o carinha que interpreta Thomas Shelby em “Peaky Blinders”? Na cabeça de alguns, existe uma ágora onde eu, seu ficante misterioso que posta foto de paisagem nos stories e some por três dias e todas as personalidades que citei anteriormente nos encontramos para bater um papo, discutir física quântica e usar nosso tempo da maneira mais produtiva possível – enquanto ignoramos as suas mensagens, é claro, rs.
Eu tô exagerando, óbvio. Existe a porcentagem de quem só acha blasé e pensa “tá escondendo o que e de quem?”. Mas é inegável a construção dessa narrativa (que muitos low profiles amam perpetuar, porque é cool ser contracultura) de que, por não estar nas redes sociais, as pessoas são necessariamente mais interessantes, supergestoras do próprio tempo, donas iluminadas de suas opiniões… E assim, pode ser o caso dos intelectuais ou artistas que eu citei, mas não é o meu caso e te garanto que não é o da maioria esmagadora dos cronicamente offline que você conhece.
Não tô querendo que ninguém meça as mangas do low profile mais próximo pelas minhas, mas deixa eu ser a embaixadora do óbvio aqui: é perfeitamente possível ser 100% inútil ao seu país, improdutivo, consumidor de coisas de baixa qualidade etc. não tendo redes sociais. A procrastinação e o “mau uso do tempo” não nasceram com o Myspace ou com o Facebook. A inércia é um estado natural – veja, eu não disse agradável ou desejável – do ser humano.
O castigo do monstro, a mais temida de todas: a comparação
O neoliberalismo pasteurizado dos coachs que mandam a gente ler oito livros por semana, subir o Everest ou almoçar olhando para a parede comeu os nossos cérebros – mesmo que você não consuma conteúdos exatamente assim. É claro que inúmeros estudos demonstram que tudo online é construído para destruir a sua capacidade de atenção e desenvolver vício, mas a ode à produtividade e à marginalização do ócio nos fez entrar numa competição tão louca com nós mesmos e com os outros que começamos a invejar a forma que a gente acha que o outro gasta o tempo – e que só pode ser melhor que a nossa.
A gente esquece que a vida não é uma mola que, quando fazemos pressão num extremo, ela nos catapulta para o outro. Quando alguém não está nas redes sociais, não significa necessariamente que esteja fazendo alguma outra coisa melhor no lugar, que não seja afetada pelos efeitos do digital, que seja mais produtiva – isso é a ansiedade mentindo pra você.
Na mesma medida que produzir para as redes também não é a melhor política de distribuição de renda e geração de emprego do século, ainda que exista uma economia pulsante de criação aí. Isso não vai garantir que todo mundo se dê bem, tenha o melhor emprego, seja visto pelas marcas, venda sete dígitos, vire o Felipe Neto. Mas eu acho que se te faz feliz e criativo, com os cuidados necessários para sua cabecinha, não tem por que você não fazer.
E, na possibilidade de o low profile alvo da sua comparação ser mesmo o Oppenheimer da geração dele, no que isso te afeta? (Beleza, esse exemplo foi bem afetado). Mas o que eu tô querendo dizer é que a gente tem uma mania de achar que a forma que o outro vive o próprio tempo tem a capacidade de mudar para pior as nossas vidas, nos deixar pra trás na corrida do capitalismo, sabotar as nossas escolhas… Quando, na verdade, o que nos sabota, nos mantém inertes ou nos faz ter a sensação de que a vida é uma corrida é o mar de desigualdades que nos separa. É por isso que você se compara com o profissional da sua área com 100k de seguidores e também com o profissional da sua área que nem redes sociais tem. E eu sei porque eu faço isso, e faço o tempo todo – ainda que não veja os stories deles.
A resposta para como você vai lidar melhor com o seu tempo não sou eu que vou dar – porque se eu soubesse eu pegaria pra mim antes, rs. Mas essa corrida não tem vencedores porque a vida é mais profunda do que o ideal raso do “chegar lá”. E a nossa vida, especificamente, já pode ser complexa o suficiente se a gente se comprometer só em administrar o nosso próprio tempo, imagina se ficarmos confabulando sobre o quão produtivo os outros são no tempo deles? (...) Poste, não poste, saia das redes, funde uma rede nova… Só não permita que a comparação seja a dona da sua cabeça.”
Lista de coisas não produtivas que eu fiz enquanto low profiler
Assisti “Mulheres apaixonadas” enquanto fazia a unha do pé (e procrastinava algo mais importante que agora não lembro o quê);
Passei 2 meses e 2 semanas pra ler um livro de 100 páginas da pós porque me deixava ansiosa (spoiler: não ler me deixou também kkkk);
Meu pai achou que eu tinha que ensinar ele a fazer um “avatar” para o perfil dele do Instagram > eu não consegui > chamou de má vontade (kkkkk?);
Um belo sábado que estava borocoxô demais pra sair e aproveitar a vida lá fora, olhei o TikTok por meia horinha e aí já era hora de dormir de novo.
O que eu tô lendo, assistindo, stalkeando
Para ninguém achar que eu tô fazendo jus ao sobrenome e sendo rasa feito um pires, aqui vai uma sequência de coisas legais que tô bisbilhotando:
_ Lendo: “Felizes os felizes”, de Yasmina Reza: uma narrativa gostosa e intrigante, cheia de personagens terrivelmente humanos. A cada conto, uma reflexão valiosa sobre o talento de ser feliz, ou não.
_ Ouvindo: podcast do Xandão, pela Piauí: tenho acompanhado o podcast “Alexandre” como ninguém – nem vou falar nada, só ouça.
_ Assistindo: a segunda temporada de “The Bear” tá de tirar o fôlego.
_ Stalkeando: @prapretoler é um desses perfis que eu abro no browser para ler tudo o que postam, uma ótima pra quem quer se letrar mais racialmente.
tentando aos poucos sair das redes sociais e lendo mais livros que estava procrastinando há tempos, tô conseguindo mas falho de vez em quando.
Quero muito saber das motivações que te fizeram sair das redes, como isso impacta e etc. Tô nesse processo de sair das redes, me toma muito tempo. E levo comigo a expectativa de que serei produtiva com esse simples passo, rs.